PARA PAIS

                                               O filho do meu vizinho é um gênio
Tem pai que se vangloria do filho que acessa a internet. Filho que usa o computador, liga e desliga o videogame com os olhos vendados e as mãos para trás. Mãe que exibe o filho aos seus tios e tias: nós temos internet lá em casa e o Ronaldinho, que tem apenas 9 aninhos, já sabe fazer tudo.

     Mas o que significa “fazer tudo”? Imaginar que o filho do vizinho aperta todos os botões sem dificuldade é realmente um dom, um momento para celebrar, fazer um bolo e chamar os amigos? Não, não é. Nesta história que parece “O filho do meu vizinho no país das maravilhas”, uma palavra me assusta: conteúdo.
     A janela ou a porta que se abre com o computador no quarto da criança ou do filho adolescente é uma entrada para o bem e para o mal. Não é função dos pais o controle do que os filhos veem pela janela? “Não abra a porta para estranhos”, não é assim que aprendemos? E o que a internet possibilita? Possibilita que se conheça pessoa que não conhecemos pessoalmente. Será que conhecemos mesmo, então? Não creia que seu filho adolescente vai se encher de um discurso franciscano ao espiar a internet. Mas não quero o discurso moralista para esta reflexão, quero o discurso da pesquisa. Ou o discurso da “falta de pesquisa”.
     Fico pasmo, como economista, vendo gente sem dinheiro babando na frente de uma TV LCD, digital, de plasma. Para que comprar uma TV linda, se o conteúdo é horrível? A desculpa logo vem: é para ver melhor. Parecem as mesmas palavras que o lobo mau disse à Chapeuzinho. Ver melhor o quê? Meio sem querer, colocamos o lobo mau dentro da casa da vovozinha. Estamos comprando e assistindo máscaras. Máscaras de conteúdo.
     Olhamos para um computador de penúltima geração e perguntamos: o que ele faz? Esquecemos que a pergunta correta seria: ele faz o que eu preciso? Eu preciso do que ele faz?
     Por isso, penso eu, o filho do vizinho que sabe apertar um botão, navegar na internet, acessar o Google, o Toodle, está em contato com tudo o que a internet oferece. E onde está o discernimento, o espírito crítico que poderia ser desenvolvido pelos pais e outros educadores nessa oportunidade? Nessa chance desperdiçada de explicar ao jovem guri que o bem e o mal existem, que a verdade e a mentira existem, que a informação e a desinformação coexistem, que o correto e o incorreto moram juntinhos no mesmo lugar, e que, ao ler uma notícia, deve-ser ter olhos hábeis, mente desperta, mãos operantes, ouvidos que funcionam como filtros?
     Comprar do jeitinho que eles estão vendendo? Senhores educadores, não dá. Num próximo texto contarei como leio jornal. Leio dois jornais todos os dias. Mas este segredinho fica para depois.
     Muitos ficam abismados com o fato das gerações que habitam o planeta há menos tempo ligarem aparelhos ultramodernos, operarem tecnologia que antes não era conhecida, lidarem com botões com uma facilidade de Fred Astaire dançando pra lá e pra cá. Muitos ficam tão abismados que realmente acabam criando um abismo entre esta e aquela geração. Esquecem que sempre haverá um novo botão. Acho que arco e flecha já é tecnologia. Computador, certamente, também é. Mas arco-e-flecha pode ser usado para matar ou para se defender. O computador também. O celular também. O homem tecnológico também.
     Li com os olhos cheios de lágrimas uma reportagem sobre uma garota que venceu um campeonato estúpido: quem conseguisse digitar uma mensagem no celular em menor tempo seria o vencedor. A foto vencedora se assemelhava à vitória de concurso de Miss Mundo. O Haiti caindo aos pedaços e nós aplaudindo uma guria que digita uma mensagem qualquer, mas bem rapidinho. Estou chegando à seguinte conclusão: a filha do meu vizinho também deve ser um gênio. Deve ser.
     Estamos ensinando nossos nobres filhos digitais a utilizarem garfo e faca para comer direitinho, mas não estamos ensinando a eles como preparar a comida.

Artigo divulgado na Profissão Mestre de abril de 2010
César Augusto Dionísio
É economista e professor e autor do livro Mais Textos: uma visão sobre a Educação

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